Reformas do sistema de pagamentos de impostos produzem, inevitavelmente, ganhadores e perdedores. Por isso são tão difíceis de emplacar. Não é nenhuma surpresa, portanto, que logo depois da aprovação da proposta de reforma tributária na Câmara, nesta quinta-feira (6), tenham aparecido listas de ganhadores e perdedores.

Ainda é cedo, contudo, para se saber, de fato, quem perdeu e quem ganhou. Por quê? Porque falta o texto aprovado na Câmara passar pelo Senado, e, além disso, falta uma segunda e crucial parte da reforma, que é a reforma da tributação sobre renda e patrimônio.

Depois disso ainda ficará faltando a “prova do pudim”, com a determinação da alíquota única da tributação sobre bens e serviços e a aplicação prática das novas normas tributárias, que serão objeto de leis complementares. A reforma será mesmo neutra, ou seja, a carga tributária — relação entre o volume da arrecadação e o volume da produção total nacional — não sofrerá aumentos depois da implantação do novo sistema?

Efeitos serão sentidos ao longo do tempo

Mesmo que os impactos da reforma, tanto para a atividade econômica quanto para os contribuintes, só sejam sentidos ao longo do tempo — o período completo de transição do velho para o novo sistema está previsto para 10 anos — são esperados efeitos positivos imediatos nas expectativas econômicas, afetando, por exemplo, taxas de juros e decisões de investimento.

A primeira parte da reforma, essa já aprovada na Câmara, trata dos tributos sobre consumo. Seu objetivo era simplificar o sistema de cobrança e pagamento dos tributos e acabar com a cumulatividade — a incidência de impostos sobre impostos, em cascata nas diversas etapas da produção e venda.

Entenda ponto a ponto a proposta aprovada

Reforma traz simplificação e transparência

Mesmo com mais exceções do que o previsto na proposta original, o sistema tributário será fortemente simplificado. Antes, um mesmo produto poderia ser tributado em alíquotas diferentes, conforme sua descrição legal. Um exemplo já bem conhecido é o da taxação de perfumes em 40% e a de água de cheiro em 10%. A partir do novo sistema, haverá uma alíquota única para todos os bens e serviços, sem considerar, obviamente, as exceções.

O novo tributo criado, que foi subdividido, para efeitos de cobrança, em dois — um federal e o outro estadual —, é do tipo IVA (Imposto sobre Valor Agregado). A cobrança se dará exclusivamente em cada etapa da produção ou da prestação do serviço, e não mais, cumulativamente, em todo o processo de produção. Cada etapa da produção receberá créditos tributários no valor do imposto cobrado nas etapas anteriores. Um efeito muito positivo do fim da comutatividade será a desoneração de exportações e investimentos.

Outro ganho forte, consequência do novo sistema de cobrança, é o da transparência tributária. Hoje é quase impossível saber quanto se paga de imposto em cada bem ou serviço consumido e essa opacidade contribui, entre outros problemas, para elevar os custos de produção. A aplicação do tributo é feita “por dentro”, ou seja, está embutida no preço de venda. No novo sistema, a cobrança será “por fora”, o que permitirá saber, automaticamente, quanto é a parcela de imposto considerada no preço.

Serviços perdem, mas nem todos

Estes são ganhos “genéricos” da reforma da tributação do consumo. Ganhadores e perdedores específicos começam a aparecer com a decisão de taxar o consumo apenas no destino, onde bens e serviços são vendidos. Antes, a tributação, além do destino, poderia ser aplicada na origem, onde bens são produzidos ou no domicílio fiscal do prestador de serviços.

É uma decisão de lógica e racionalidade tributárias, mas com consequências na distribuição do bolo fiscal entre estados e municípios. Estados do Norte e do Nordeste, que são mais consumidores e menos produtores, ganham com a reforma.

Para manter o equilíbrio tributário no período de transição do velho para o novo sistema tributário, a reforma prevê a criação de dois fundos custeados com recursos federais: um, mantido até 2032, para compensar perdas entre estados produtores e consumidores; outro, de desenvolvimento regional, permanente, com objetivo de reduzir desigualdades regionais. O volume de recursos e as áreas em que os recursos poderão ser aplicados ainda não definitivamente estabelecidos

A reforma gera ganhadores e perdedores ao mitigar o desequilíbrio do sistema em vigor, que tributa mais a indústria e alivia para os serviços. Do ponto de vista geral, o setor de serviços é perdedor na reforma. Mas as perdas não são uniformes para todos os segmentos dos serviços, e, mesmo onde são previstas, podem ser mitigadas no futuro.

Quadro definitivo só com reforma tributária da renda

O quadro definitivo dos que perdem e de quanto perdem só será conhecido quando a reforma incluir as alterações na renda e a alíquota tributária padrão no consumo for definida. Isso porque, como os serviços são intensivos em mão de obra, a desoneração da folha de salários poderá ser um importante elementos de redução de custos. Esse é um tipo de ajuste que depende das mudanças na tributação da renda, com destaque para a prevista tributação de lucros e dividendos, hoje isentos de impostos.

Diversos serviços de empresas optantes pelo regime do Simples não serão impactados pela reforma porque o Simples é um dos regimes de exceção previstos na reforma e ficou fora das novas regras. Já os serviços prestados para empresas em geral vão gerar créditos. O segmento em que deve ocorrer aumento de carga é na prestação de serviços a pessoas físicas. Estão neste caso, por exemplo, serviços de turismo e entretenimento.

Com crescimento da economia, todos ganham

Apesar de discordâncias em relação a pontos específicos, há consenso de que a simplificação e a transparência trazidos pela reforma tributária contribuirão para a obtenção de ganhos de produtividade e competitividade, resultando em crescimento econômico ao longo do tempo. Se a expectativa se confirmar, os ganhos da reforma tributária são amplos e gerais.

“A economia cresce com a reforma, e, assim, mesmo quem perde na tributação ganha na frente com o aumento da atividade”. Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV/IBRE



Fonte: UOL